sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O Portador da Solidão


Em qualquer cidade, em qualquer país, vá a qualquer instituição mental ou casa de recuperação em que você puder entrar. Quando chegar à recepção, mantenha o olhar no solo. Se você olhar ao redor já terá falhado. Na recepção, não se mova ou mude o foco de visão até que a atendente faça algum som, reconhecendo sua existência. Sem erguer os olhos, pergunte a ela a respeito do ser conhecido como "O Portador da Solidão". Assim que essas palavras forem proferidas, um gongo irá soar, fazendo o próprio chão sob seus pés tremer. Assim que o soar do gongo silenciar, você pode finalmente olhar ao seu redor.

Você se verá sob um céu estranho em um deserto vasto e mórbido, com apenas um caminho de pedra que segue rumo ao horizonte. No instante em que você estiver consciente desse deserto sem vida, deve começar a caminhar, pois eles sabem que você está lá. E eles não gostam de forasteiros.

Se as nuvens se aglomerarem no céu e as trevas invadirem o caminho, feche os olhos e se ajoelhe. Nenhum mortal jamais pousou seu olhar sobre os habitantes desse mundo. Conforme se ajoelha, deve implorar: "Eu não os conheço, nem desejo conhecê-los. Mas meu caminho está aqui e eu preciso segui-lo". Depois de pronunciar essas palavras, espere pelo julgamento deles. Se eles permitirem sua presença, você os sentirá indo embora. Se eles decidirem o contrário, então esse não era o seu destino. Ore para que eles acabem com sua existência rapidamente.

No fim de sua estrada jaz um pilar de obsidiana. Empoleirado no topo há uma gárgula feito da mesma pedra, ciente de sua aproximação. Ele apenas irá reagir ao som de uma pergunta: "Quem irá perecer?" uma vez que essas palavras forem ditas, a gárgula irá descer até você e suas asas te envolverão em trevas. Ali ele irá te mostrar a vida de cada ser humano, como estrelas na escuridão, e como elas piscam e se apagam. Por eras você assistirá às mortes daqueles que vieram antes de você e dos que ainda virão. Você irá experimentar a solidão deles enquanto os assiste morrer, sentindo o quão absolutamente separados eles estavam uns dos outros.

Isso irá prosseguir até que sua sanidade se despedace ou até que reste apenas uma luz. E então a gárgula irá falar: "não cabe a mim revelar seu fim, e isso não é o que você procura". Essas palavras ecoarão dentro de sua cabeça até o dia em que a tarefa estiver completa. Novamente você deve fechar os olhos, pois se você mantiver o olhar na última luz, a gárgula irá te devorar. Quando você fechar os olhos, sentirá como se estivesse sendo dragado pelas dimensões, girando infinitamente até que o chão sólido seja apenas uma vaga lembrança. Nesse momento você será lançado em um chão de pedra, e será como nascer de novo, como retornar à luz após eternidades nas trevas.

E assim que você abrir os olhos, verá ao seu redor um gigantesco e decadente salão de baile, com o chão de mármore rachado coberto de folhas mortas. Na extremidade afastada do salão você verá uma luz te chamando. Conforme você avança em sua direção, será capaz de distinguir algo pendurado na parede: um escudo negro decorado com símbolos macabros, aparentemente vivos e pulsantes. Você só precisa tirá-lo da parede para tomar posse dele.

No momento em que o escudo deixar a parede você estará de volta à recepção, onde a funcionária te olhará intensamente. Ela sabe o que você começou e te odeia por isso.

O escudo que você tem em mãos é o 41º Objeto dos 538. Reze para que ele possa te proteger do que está por vir.




Original: theholders.org

Os Portadores da Falta de Consideração


Olá gente.

Como muitos que gostam de ler contos na internet, fiquei bastante interessado pela série dos Portadores, que surgiu na net em meados de 2007, nos Estados Unidos. Inclusive, isso foi um dos principais motivos que me levaram a criar o blog. Desde então, essa série conquistou muitos fãs, e acredito que parte desse sucesso se deve ao fato de que os próprios leitores poderiam criar seus artigos sobre Portadores que eles mesmos inventaram. Isso tudo era publicado direto no site theholders.org. Isso foi bom no início, mas agora está estragando boa parte do conteúdo da série.

Por algum motivo que eu não consegui encontrar, recentemente vários dos contos foram removidos e substituídos por outros, que parecem ter sido escritos por alunos de segunda série. Há erros grotescos e evidente má vontade na escrita. A própria página inicial do site ainda apresenta erros, como pode ser visto aqui. Não sei se isso ocorreu porque todas as entradas estavam preenchidas e queriam renovar o material, mas o fato é que muitos contos extremamente bem feitos, como o Portador da Legião (que mostrava o que aconteceu com os 2000 Objetos "perdidos"), foram apagados e substituídos por arremedos de texto. Eu já havia comentado antes que a qualidade de alguns contos chega a ser ofensiva para com o leitor e que eu iria selecionar quais eu iria traduzir, mas agora é simplesmente uma questão de bom senso. Vou continuar traduzindo os contos, mas vou deixar todas essas substituições descabidas pra trás, assim como qualquer outro conto que eu não julgue digno de tradução.


E se alguém encontrar o conto do Holder of the Legion, por favor me avise. Me arrependo de não tê-lo copiado e traduzido quando tive a chance. 

Lobo Mau


Há uma tempestade caindo esta noite.

O vento está soprando forte. Trovões e relâmpagos estouram a cada segundo.

E eu estou sozinha na minha casa de dois andares.

Há duas entradas para a nossa casa. Uma porta da frente e uma porta dos fundos, claro. Nós também temos um sótão e um porão. Nossa casa é bem grande. Possui muitos quartos.

Mas o destino nos odeia. Papai faleceu há muito tempo atrás. E nossa primeira casa foi consumida por um incêndio.

Minha mãe e eu vivemos aqui. Mas ela ainda não voltou. Espero que ela esteja bem, porque essa tempestade está de matar.

Eu me sinto estranha nesta noite. Estou muito preocupada com a mamãe. Espero que a tempestade acabe logo.

Estou largada no sofá da sala de recreação no andar de cima, assistindo televisão. Eu pego o telefone e tento ligar para minha mãe algumas vezes, mas ela não responde. Por que ela está demorando tanto? Claro, é a tempestade.

Eu desligo a TV e desço para a sala de estar. Tento ligar para ela mais uma vez. Seu telefone chama. E chama. E chama.

Sem resposta.

Estou começando a ficar com frio. O bom é que nós temos uma lareira elétrica com controle remoto. Eu aperto o botão. Calor instantâneo. Eu sento no braço da poltrona e espero.

A tempestade está ficando pior. A chuva está mais grossa, o trovão ressoa violentamente.

Talvez eu devesse fazer alguma coisa pra comer, só pra passar o tempo. Eu vou até a cozinha e abro a geladeira. O que tem de bom? Eu devo pegar uma fatia de bolo de morango ou um pedaço de lasanha?

As luzes de repente se apagam. A luz da geladeira some, a lareira elétrica desliga. Tudo desliga. Não há nada além de escuridão.

Escuridão complete e absoluta.

A escuridão devora minha casa.

A única luz que resta é do flash ocasional de um relâmpago. E toda vez que ele explode, sinto como se ele me atingisse. Como se ele me acertasse, o pelo da minha nuca se arrepia. Me dá calafrios.

Estou assustada.

Nunca tive medo do escuro, nem de trovão ou relâmpago, ou de estar sozinha com tudo isso. Já aconteceu comigo uma vez. Eu era criança na época.

Eu só esperei. Como estou fazendo hoje. E você sabe o que aconteceu? Mamãe chegou. Ela veio até mim quando eu era uma garotinha de nove anos. Agora ela fará isso novamente. Eu sei que ela vai voltar.

Eu corro escada acima, tropeçando algumas vezes. Eu nunca sou cuidadosa. Aproveitando a luz do relâmpago que brilha lá fora, eu chego até o meu quarto para pegar a lanterna de emergência que escondi ali no armário.

Está ficando mais frio.

Eu desço para a sala de estar de novo, agora armada com uma lanterna. Ela ainda não está aqui. Por que? Eu olho para o relógio. Caramba! Já são 23h00!

Eu devia ligar pra ela outra vez? Agora estou realmente preocupada com ela. Agora estou com medo. Estou assustada por ela.

Uma vontade repentina me assola. Eu quero sair e procurar por ela.

Mas talvez ela esteja perto. Ela deve estar lá fora. Eu deveria ir vê-la.

Eu corro para a porta da frente, abro-a e vejo um céu escuro pairando sobre mim. Eu olho ao redor. Nada da mamãe. Tudo que eu vejo é um espaço vasto, preenchido com grama molhada e algumas árvores. A estrada fica à esquerda. O vento gelado me dá arrepios e o frio penetra nos meus ossos.

Um estrondo ressoa das nuvens. É tão forte que momentaneamente ilumina todo o lugar, fazendo parecer dia por uma fração de segundo. Eu vi algo durante o flash, ou alguém, parado entre as árvores.

Quem era? Mamãe?

Eu forço a visão, tentando inutilmente usar minha lanterna, como se sua luz fraca fosse me ajudar a enxergar na vasta escuridão.

Outro brilho de um relâmpago.

E a casa inteira volta à vida. A energia voltou. Parecia o natal, com todas as luzes da casa acesas.

Eu olhei entre as árvores de novo e o vi. Não era mamãe. Era outra pessoa. E ele estava correndo na minha direção, bem rápido. Ele corre como louco. Corre como se tivesse acabado de fugir da prisão.

Meu coração bate violentamente enquanto minha mente fica em branco. Ele está chegando perto. O que eu devo fazer?

Eu vejo algo brilhando em sua mão e percebo o que ele está segurando. Era uma faca, grande e mortal.

Eu grito quando recobro o controle do meu corpo. Eu bato a porta quando ele está a alguns centímetros da varanda e a tranco.

Eu não sei o que fazer em seguida.

Ele chuta a porta bem forte. O som me lembra do trovão.

Eu grito novamente.

O que eu devo fazer?

Ele chuta de novo. Eu grito mais alto.

Nada vai acontecer se eu simplesmente ficar parada aqui, esperando pra ser empalada.

Eu corro pro porão. Olho ao redor, procurando freneticamente por alguma coisa. Qualquer coisa.

Eu nem sei o que estou procurando.

Eu escuto de novo. Ele quer entrar. Está sedento por matança.

E se eu disser a ele que eu vou ligar pra polícia? Isso o assustaria? Talvez seja tarde demais. Eu começo a entrar em pânico. Eu preciso seguir o meu plano.

Eu vejo a arma perfeita. Um pé de cabra. Eu o apanho. Eu devo voltar pra sala de estar e esperar que ele arrombe a porta? Não, isso é suicídio. Eu vou só me esconder aqui. Além do mais, não é fácil derrubar aquela porta.

De repente, ele pára de bater na porta. Por que ele parou? Ele desistiu? Talvez. Espere. Não. A porta dos fundos!

Eu disparo escada acima, esperando que não seja tarde demais. Eu seguro minha arma firmemente. O que quer que aconteça, estou pronta. Pelo menos é o que digo a mim mesma. Eu corro pela sala de estar e atravesso a cozinha. A chuva continua piorando e o vento domina minha audição.

E eu paro abruptamente.

Lá está ele, parado sob o batente. Como eu temi, ele veio pela porta dos fundos. Está molhado, provavelmente congelando. Sua estatura alta faz sua sombra cobrir o cômodo inteiro. Em sua mão, a faca reluz.

Trovão e relâmpago ressoam, desligando a força novamente.

"Olá", ele diz.

"Se afaste!" eu grito, com toda a minha força. "Eu disse pra ir embora!"

Ele se lança na minha direção, de forma rápida e mortal.

Eu balanço o pé de cabra, mas o movimento é interrompido. Ele o segurou. E agora vai me esfaquear.

Eu largo o pé de cabra e me afasto dele o mais rápido que posso. Ele me alcança, agarra meu cabelo e me prende no chão.

Eu grito de dor quando ele me bate.

Acabou. Estou morta.

Mas não posso desistir. Pela minha mãe.

Eu chuto forte e tenho sorte de acertar sua virilha.

Ele geme e me xinga. Eu aproveito a oportunidade pra correr escada acima, direto pro meu quarto. Foi até engraçado, porque eu não tropecei nenhuma vez.

Eu fechei e tranquei a porta. O que eu deveria fazer agora? Eu desabo no chão, sem esperança. Eu tremo como nunca tremi antes.

Um relâmpago brilha novamente. Eu grito. Eu nunca gritei por causa de relâmpagos antes. A chuva está ficando mais fraca agora. Eu também começo a me recompor, a juntar os pedaços. Eu respiro fundo e olho ao redor. Eu ainda preciso me proteger.

Droga, eu esqueci de guardar armas mortais no meu quarto.

Então eu o ouço me chamando. Posso ouvir seus passos subindo as escadas.

"Saia, bebezinho", ele diz, com sua voz macabra. "Eu não vou te machucar".

Eu tento me manter calma. Não grite. Mantenha a cabeça fria.

Eu encontro o meu telefone. Eu não acho que ele vá me ajudar agora, mas o que eu tenho a perder? Eu disco 911. O telefone toca. Eu escuto uma resposta, mas meu telefone de repente fica mudo. Ah, ótimo.

Toc, Toc.

Ele está do lado de for a do meu quarto. Psicopata dos infernos.

"Vamos querida, eu sei que você está aí."

Eu quase vacilo.

"Garotinha, garotinha, me deixe entrar", diz o maníaco.

"Vai se foder!" eu respondo, com raiva.

Eu ouço sua fúria enquanto ele tenta derrubar a porta. Minha porta não é tão forte quanto a da frente. Ele chuta de novo.

Eu mantenho a boca fechada, mas minha mente grita de terror. O relâmpago reluz novamente. Eu o ouço chutar de novo.

Então eu ouço um som diferente. Algo com o qual sou familiar. Algo que me faria muito bem em ouvir, mas dessa vez faz meu sangue congelar.

É minha mãe. "Susan? Susan, onde você está?"

E tenho certeza que ele ouve também.

"Não! A minha mãe não! A MINHA MÃE NÃO!"

Eu o escuto correndo escada abaixo.

Corajosamente, eu abro a porta e corro atrás dele. Mas ele já está fora de vista. Estou tão assustada. E tão irada. Descer as escadas demora uma eternidade. Parece nunca acabar.

Eu chego ao final e vejo. Ele está em cima dela. Está esfaqueando ferozmente.

Esfaqueando. Esfaqueando. Esfaqueando. Esfaqueando. Esfaqueando. Esfaqueando.  

Minha mãe jaz ali, imóvel. Seu sangue inunda o chão.

Eu não consigo suportar isso. Estou tão aturdida que esqueço como sentir. Ele se vira pra mim. "Sua vez".

Eu corro pra cozinha e me viro pra ver o quão perto ele está.

Está bem perto.

Ele é tão determinado. É imparável.

E vai me pegar.

Eu corro mais rápido. Tento sair pela porta dos fundos quando sinto algo frio cortar golpear minhas costas.

Ele me cortou.

Eu pego a primeira coisa que estava ao meu alcance e arremesso contra ele. Era uma frigideira. Não surte efeito nenhum nele. Ele me pega pelo pescoço e me joga no chão.

"Não se preocupe, eu ainda não vou te matar. Vamos brincar primeiro".

Oh, não, por favor.

Ele se ajoelha diante de mim e arranca minhas roupas como um animal selvagem. Estou morta. Estou condenada.

Ele morde meu ombro. Depois minha orelha.

E ele está tentando entrar em mim.

Não há esperança.

Estou desistindo. Aceito meu destino.

Mas não.

Não.

Minha mãe não ia querer que isso acontecesse.

Eu olho ao redor freneticamente. Ali está o porta-faca.

Não tenho mais nada a perder. É isso ou morrer sem esperança.

Eu olho pra ele direto nos olhos. Eles eram verdes. Olhos verdes e furiosos.

Eu mordo seu nariz. Ele grita. Eu mordo mais forte, até sangrar. Eu agarro seu pênis e puxo com força. E então o acerto com o meu joelho. Me aproveitando do choque dele, me levanto e corro para as facas.

Ele segura meu tornozelo. Esfaqueia minha perna e eu caio.

Estou muito nervosa para sentir qualquer coisa.

Eu pulo na direção das facas e elas caem no chão. Eu pego uma aleatoriamente e enfio no olho dele. Ele rola e cai de costas, mas não solta minha perna. Eu pego outra faca e cortou seu pênis fora.

Ele grita bem alto, como uma garotinha.

Sabendo que ele não tem forças pra reagir, eu sento em cima dele.

Eu esfaqueio.

Esfaqueio. Esfaqueio. Esfaqueio. Esfaqueio. Esfaqueio.

Eu paro. Ele está morto agora.

Eu penso na minha mãe. Ela era a minha única família. Eu me lembro do que ele fez a ela.

Eu olho para o rosto dele.

O que antes era seu olho esquerdo, agora não passava de uma órbita vazia.

Eu me sinto esquisita. É a sensação mais estranha de todas.

Isso era...

Diversão.

Satisfação.

Prazer.

O relâmpago brilha  novamente.

Eu pego sua faca grande e a seguro com firmeza.

Preciso de mais.

Eu esfaqueio seu corpo morto de novo. E de novo.

Esfaqueio. Esfaqueio. Esfaqueio. Esfaqueio...



quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Os Sete Pecados Mortais


Estou escrevendo isso para conservar um pouco da minha sanidade... Esse é o meu bilhete de suicídio... É o fim pra mim... Eu só quero escrever isso para que os outros vejam porque a morte traz sofrimento... Porque você não consegue deixar alguém que faz parte da sua vida morrer...

Minha filha chegou da escola mais ou menos às 14h. Ela estava no jardim de infância, e os pequeninos eram mandados pra casa antes dos outros alunos. Eu pensei em passar uma ou duas horas assistindo filmes. Terminei perto das 13h40, e exatamente depois de eu desligar a TV, a campainha tocou. Eu caminhei até a porta e vi uma garotinha acompanhada por sua mãe, vendendo biscoitos de bandeirante. Fiquei feliz em comprar alguns e comecei a comer os Tagalongs (eu dei uma gorjeta pra garota, porque vender biscoitos no calor da Flórida merece respeito). Cerca de 20 minutos depois, minha filha chegou. "Olá papai!" ela disse, se jogando em cima de mim. Eu ri e fui fazer um lanche pra ela. Definitivamente foi um dia normal. Até aquela noite…

Perto da 1h40 minha filha deu um berro agoniante. Eu rapidamente pulei da cama e corri para o quarto dela. Escancarei a porta e vi minha filha encolhida no canto da cama. Eu a peguei e liguei a luz do quarto. O que eu vi foi completamente assustador... eu vi, escrito em tinta vermelha na parede: LUXÚRIA, GULA, AVAREZA, PREGUIÇA, IRA, INVEJA E ORGULHO. PECADOS DE SEUS ANTEPASSADOS PECADOS QUE VOCÊ NÃO PODE ESCONDER. Mas que raios aquilo significava?! Os sete pecados?

Minha filha começou a hiperventilar e dizer "papaipapaipapai" de novo e de novo... eu peguei a bombinha de asma e tentei dar a ela, mas crise estava tão forte que ela não conseguia fazer muita coisa. Eu corri para o carro com ela e a coloquei no banco de trás. Dirigi o mais rápido que pude para o hospital mais próximo. Demos entrada imediatamente e ela foi salva de um ataque cardíaco... descobriu-se que minha filha de cinco anos tinha problemas do coração.

Foi cerca de sete anos depois (e durante esses sete anos) que as coisas realmente pioraram. Era natal, eu tinha uma esposa chamada Samantha e um filho chamado Gregory. Minha filha, Hailey, estava com 12 anos e Greg com quatro. Eu estava amando a minha vida. As crianças estavam felizes, Samantha e eu estávamos felizes. Era ótimo.. exceto pelos anos anteriores…

No primeiro ano, todas as mulheres ao meu redor ficavam atraídas e flertavam comigo constantemente. Quer saber por que isso era ruim? Porque as todas que eu rejeitava se matavam de alguma maneira horrível... uma se estripou com uma faca de cozinha, e outra se enforcou na calha da casa. No segundo ano, minha filha ficou fissurada por comida. Tanto que seu problema cardíaco piorou. Ela foi levada ao hospital mais de dez vezes no decorrer do ano... mas quando aquele ano acabou, ela se tornou anoréxica e parou de comer demais.

No terceiro ano, perdi minha casa por causa da hipoteca e fiquei bastante mesquinho com dinheiro e comida. Mais tarde descobrimos que o dono da nossa casa ainda tinha direito sobre o terreno e que ele roubou dinheiro do meu cartão de crédito por dois anos. Tive sorte em conhecer Samantha e dela ter deixado que eu e minha filha nos mudássemos para sua casa. Nós nos casamos em dezembro e tivemos nosso filho em outubro.

No quarto ano eu fui chamado por muitas agências de talentos, que perguntavam sobre minhas incríveis habilidades vocais, que eu havia mostrado quando me uni a uma banda no fim do ano passado. O ponto é, quando eu dizia não, eles continuavam me ligando, ficavam violentos, me xingavam. Um deles até tentou me matar na entrada da minha própria casa. Ele atirou em mim com um revólver e atingiu minha orelha de raspão.

No quinto ano eu me tornei inexplicavelmente irritado com minha esposa, filha, com tudo. Me tornei violento no mês de dezembro, mas nesse mesmo mês eu caí da escada e sofri dano cerebral. Mas foi um dano bem pequeno, que apenas prejudicou minha memória do último ano. Eu só me lembro disso porque minha filha me contou.

No sexto ano, minha filha ficou com ciúme do meu filho, que estava tendo toda a atenção. Mas eu tentei dizer a ela que bebês precisavam de mais atenção do que as crianças mais velhas. Ela ficou nervosa e violenta. Uma vez ela fugiu. Eu liguei para o Centro de Crianças Perdidas. Eles a acharam em uma casa abandonada próxima à nossa, escondida em um dos armários. Ela estava faminta, e eventualmente sua anorexia piorou.  

Era o sétimo ano agora, e nada aconteceu. Até aquela noite... exatamente à 1h40 foi quando a merda caiu no ventilador. Eu ouvi minha filha gritar, um grito horrendo e monstruoso. Disparei em direção ao quarto dela e vi algo que me partiu o coração e me deixou horrorizado... um homem estava parado, olhando para a cama dela, segurando uma faca lustrosa... ele a segurou e... a abriu com a faca… oh Deus... é difícil até pensar nisso… mas ele pegou o que restou dela… jesus cristo… eu estava tão orgulhoso dela... meu bebê...

É o oitavo ano agora... minha esposa me deixou, meu filho mal me conhece... e eu me amaldiçôo todos os dias. Minha primeira esposa, que deu a luz à minha filha... eu sei que foi você que me jogou essa maldição. Você sempre me odiou... eu não pude te salvar... nunca pude... e você me odeia por isso. Então agora... eu acabo com tudo isso...

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Olá, sou o Gregory, o garoto da história. Tenho 36 anos agora e consegui esse bilhete com um policial há um ano. Esse bilhete de suicídio foi escrito pelo meu pai nos anos 80. Eu só tinha cinco anos. Quando minha mãe recebeu a notícia sobre o meu pai, ela chorou por uma hora. Eu estava sozinho também... e foi só dez anos depois que minha mãe me contou a história verdadeira.

Ela chorou lágrimas de crocodilo quando ouviu a notícia. A única emoção que ela nutria pelo meu pai era ódio. Veja, meu pai fez todas essas coisas horríveis que você viu na história. Ele ficou insano à 1h40 em 1973, dia do aniversário dele e de sua primeira esposa. O psicólogo que ele consultou quando sua esposa morreu suspeitava que a morte dela foi culpa do meu pai. Ele criou uma desculpa e baseou essa "vingança" nos sete pecados capitais.

Na noite do aniversário da morte de sua esposa, ele aplicou uma injeção de esteróides em sua filha, que deu a ela um problema no coração.

Ele matou cada mulher que flertou com ele por um ano, fazendo suas mortes parecerem suicídio.

No segundo ano, ele entupia sua filha com comida, fazendo-a comer sempre os maiores pedaços. Ele ficou irritado por isso não matá-la, então ele a fazia vomitar sua comida depois das refeições quando o ano estava terminando.

No terceiro ano, ele vendeu sua casa e deixou minha mãe usar seu cartão de crédito. Ele também ficou violento por muitos anos depois disso.

No quarto ano ele clamava ser o cantor mais talentoso de todos, e ligava para agências de talento e tudo mais. Quando o recusavam, ele os xingava, e até tentou matar um homem. Ele atirou no cara do lado de fora do estúdio dele, e o tiro pegou de raspão em sua orelha.

No quinto ano, ele tentou matar minha mãe e minha irmã mais velha várias vezes. Mas minha mãe reagiu e o empurrou das escadas. Ele adquiriu perda de memória recente e não conseguia se lembrar de muita coisa daquele mês.

No sexto ano, ele expulsou minha irmã pra fora de casa, chamando-a de "vadia estúpida" e "vagabunda do caralho". Ela se escondeu na casa ao lado, e foi quando meu pai chamou o serviço de crianças desaparecidas. A equipe de investigação a trouxe de volta pra nossa casa, que era freqüentemente referida por minha mãe como "inferno".

No sétimo ano, meu pai estava mais dócil. Se transformou em um homem bondoso e feliz e estava orgulhoso de seu comportamento. Até que, à 1h40 do aniversário de sua esposa, ele matou minha irmã com uma faca de cozinha e fugiu com os restos dela para as Bahamas. Até hoje eu não consigo acreditar nisso, e no início do oitavo ano, ele se matou.

A polícia disse que foi suicídio. Ele fez um nó com algum material orgânico.

Eles mentem, porque eu sei que aquela corda era a minha irmã.




Terceiro Desejo


Um velho estava sozinho em uma estrada escura. Ele não tinha certeza de qual direção deveria seguir, pois havia se esquecido para onde estava indo e quem ele era. O homem se sentou por um momento para descansar as pernas, quando de repente ele olha para cima e vê uma mulher à sua frente. Ela sorria com malícia e cantarola a pergunta: "Agora seu terceiro desejo. O que vai ser?"

"Terceiro desejo?" perguntou o homem, confuso. "Como posso ter um terceiro desejo se eu não tive nem o primeiro nem o segundo?"

"Você já teve seus dois desejos," disse a bruxa, "mas seu segundo desejo foi para que eu retornasse tudo como era antes de você fazer seu primeiro pedido. É por isso que você não se lembra de nada. Tudo está do jeito que era antes de qualquer desejo."

Ela atiçou o pobre homem. "E então? Você ainda tem um desejo sobrando."

"Tudo bem," ele disse. "Eu não acredito nisso, mas não tem nada de mal em desejar. Eu desejo saber quem eu sou."

"Engraçado," falou a mulher, enquanto completava a magia e desaparecia para sempre. "Esse foi justamente o seu primeiro desejo."






quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Tulpa


No ano passado, eu passei seis meses participando de algo que me disseram ser uma experiência psicológica. Eu vi um anúncio no jornal local, que procurava por pessoas criativas, que gostariam de ganhar uma grana. E como aquele era o único anúncio daquela semana que no qual eu me enquadrava, eu liguei pra eles e arrumei uma entrevista. Eles me disseram que tudo que eu teria que fazer seria ficar em uma sala, sozinho, com sensores acoplados à minha cabeça para ler minha atividade cerebral. E enquanto eu estivesse lá, iria visualizar uma cópia de mim mesmo. Eles chamaram isso de minha "tulpa".

Parecia bastante fácil, e eu concordei assim que me disseram quanto iam me pagar. E no dia seguinte, eu comecei. Eles me levaram a uma sala simples, me colocaram em uma cama, colocaram sensores na minha cabeça e os conectaram a uma pequena caixa preta na mesa ao meu lado. Eles me explicaram novamente sobre o processo de visualização do meu outro eu, e disseram que se eu ficasse entediado ou inquieto, ao invés de andar por aí, deveria visualizar minha cópia andando, ou tentar interagir com ela. A idéia era mantê-la comigo durante todo o tempo em que eu estivesse na sala.

Eu tive algumas dificuldades no início. Exigia mais controle do que simplesmente sonhar acordado. Eu imaginava minha cópia por alguns minutos e então me distraia. Mas no quarto dia eu consegui mantê-lo "presente" pelas seis horas. Me disseram que eu estava indo muito bem.

Na segunda semana eles me colocaram em uma sala diferente, com auto-falantes acoplados nas paredes. Disseram que queriam ver se eu conseguia manter a tulpa comigo, mesmo com estímulos me distraindo. A música era cacofônica, desagradável e inquietante, e deixou as coisas mais difíceis, mas eu consegui mesmo assim. Na semana seguinte, tocaram uma música ainda mais perturbadora, marcada com gritos, repetições semelhantes a um modem velho discando, e vozes guturais falando em línguas estrangeiras. Eu simplesmente ri disso tudo – eu já estava expert nesse ponto.

Após um mês, comecei a ficar entediado. Pra animar as coisas, comecei a interagir com a minha cópia. Nós conversávamos, jogávamos papel, pedra e tesoura, ou eu o imaginava fazendo malabarismo, dançando break, ou o que mais eu quisesse. Perguntei aos pesquisadores se minhas gracinhas iriam prejudicar sua experiência, mas eles me incentivaram.

Então nós brincamos e nos comunicamos, e foi divertido por um tempo. Então ficou um pouco estranho. Um dia eu estava contando pra ele sobre o meu primeiro encontro e ele me corrigiu. Eu disse que a garota estava usando uma blusa amarela e ele disse que era verde. Eu pensei por um segundo e percebi que ele estava certo. Isso me assustou, e depois do meu turno naquele dia eu falei com os pesquisadores a respeito disso. "Você está usando a forma-pensamento para acessar seu subconsciente", eles explicaram. "Você sabia de certa forma que estava errado, e seu subconsciente se auto-corrigiu."

O que havia sido assustador de repente ficou legal. Eu estava falando com meu subconsciente! Precisei de um pouco de prática, mas descobri que podia fazer perguntas à minha tulpa e acessar todo tipo de memória. Eu podia fazê-lo declamar páginas inteiras de livros que eu já havia lido anos antes, ou coisas que me ensinaram e eu esqueci imediatamente no ensino médio. Isso era incrível.

Isso foi na época que eu comecei a "invocar" minha cópia fora do centro de pesquisas. Muito de vez em quando no início, mas eu estava tão acostumado a imaginá-lo que era estranho não vê-lo por perto. Então, sempre que eu estava entediado, visualizava minha cópia. Eventualmente eu comecei a fazer isso praticamente o tempo todo. Era engraçado levá-lo comigo, como um amigo invisível. Eu o imaginava quando saía com meus amigos, ou visitava minha mãe, e até o levei comigo pra um encontro uma vez. Eu não precisava falar em voz alta com ele, então conseguíamos conversar sem ninguém perceber.

Eu sei que isso soa estranho, mas era divertido. Ele não era apenas um depósito ambulante de tudo que eu sabia e tudo que eu havia esquecido, às vezes ele parecia saber como eu me sentia melhor do que eu mesmo. Ele tinha uma compreensão incrível das sutilezas da linguagem corporal que eu nem sabia que existiam. Por exemplo, eu tinha pensado que o encontro no qual eu o levei comigo estava indo mal, mas ele destacou como ela estava rindo um pouco demais das minhas piadas e se curvando na minha direção enquanto eu falava, e muitas outras pistas sutis das quais eu nem fazia idéia. Eu o escutei, e só digo que aquele encontro correu muito bem.

Após quatro meses freqüentando o centro de pesquisas, ele estava comigo o tempo todo. Certo dia, os pesquisadores me abordaram após o meu turno e me perguntaram se eu tinha parado de visualizá-lo. Eu neguei e eles pareceram satisfeitos. Eu silenciosamente perguntei à minha cópia se ele sabia o porquê daquela pergunta, mas ele deu de ombros. Então fiz o mesmo.

Eu me afastei um pouco do mundo naquela altura. Eu estava tendo dificuldades em me relacionar com as pessoas. Me parecia que eles eram tão confusos e inseguros de si mesmos, enquanto eu tinha uma manifestação de mim mesmo para me apoiar. Isso tornava a socialização esquisita. Ninguém parecia consciente das razões por trás de suas ações, ou porque algumas coisas os deixavam irritados e outras os faziam rir. Eles não sabiam o que os impulsionava. Mas eu sim – ou pelo menos poderia perguntar a mim mesmo e obter uma resposta.

Em uma noite um amigo me confrontou. Ele bateu na porta até eu atender e entrou, irritado e xingando tudo que podia. "Você não respondeu quando eu liguei semanas atrás, seu imbecil!" ele gritou. "Qual é a porra do seu problema?"

Eu estava prestes a me desculpar, e provavelmente ia convidá-lo pra irmos ao bar naquela noite, mas minha tulpa ficou furiosa de repente. "Bata nele", ele disse, e antes de perceber o que estava fazendo, já tinha feito. Eu ouvi o nariz dele se quebrando. Ele caiu no chão e se levantou, vindo pra cima de mim. Nós nos espancamos pelo apartamento inteiro.

Eu estava mais furioso do que jamais estive, e não tive piedade. Eu o derrubei no chão e dei dois chutes violentos nas costelas. Foi aí que ele fugiu, arqueado e chorando.

A polícia apareceu alguns minutos depois, mas eu disse que ele que tinha começado, e como ele não estava por perto pra me contrariar, eles me liberaram com uma advertência. Minha tulpa esteve sorrindo o tempo todo. Passamos a noite inteira exultando minha vitória e fazendo comentários maldosos sobre como eu tinha surrado o meu amigo.

Foi só na manhã seguinte, quando olhei no espelho e vi meu olho roxo e o corte no lábio, que lembrei o que me fez estourar. Minha cópia era quem havia ficado furiosa, não eu. Eu estava sentindo culpa e um pouco de vergonha, mas ele me incitou rumo a uma luta feroz com um amigo preocupado. Ele estava presente, claro, e sabia dos meus pensamentos. "Você não precisa mais dele. Você não precisa mais de ninguém", ele me disse, e eu senti minha pele arrepiar.

Eu expliquei isso para os pesquisadores que me contrataram, mas eles simplesmente riram. "Você não pode ter medo de algo que você está imaginando", um deles me disse. Minha cópia estava ao lado dele, e concordou com a cabeça, então sorriu afetadamente pra mim.

Eu tentei levar a sério as palavras deles, mas nos dias seguintes eu me via ficar mais e mais agoniado perto da minha tulpa, e parecia que ele estava mudando. Ele parecia mais alto e mais ameaçador. Seus olhos brilhavam de maldade, e eu via malícia em seu sorriso constante. Eu decidi que nenhum trabalho valia a perda da minha sanidade. Se ele estava fora de controle, eu acabaria com ele. Eu estava tão acostumado com ele que visualizá-lo era um processo automático. Então comecei a me esforçar ao máximo para não enxergá-lo. Levou alguns dias, mas começou a funcionar. Eu podia me livrar dele por várias horas seguidas. Mas cada vez que ele voltava, parecia pior. Sua pele estava acinzentada, os dentes mais pontudos. Ele sibilava, resmungava, ameaçava e xingava. A música disforme que eu estava ouvindo há meses parecia segui-lo aonde quer que ele fosse. Mesmo quando eu estava em casa – eu relaxava, não mais me concentrando em não enxergá-lo, e lá estava ele, e com ele aquele barulho gritante.

Eu ainda estava visitando o centro de pesquisas e passando seis horas lá. Eu precisava do dinheiro, e imaginei que eles não sabiam que eu não estava visualizando minha tulpa de forma ativa. Eu estava errado. Um dia, depois do meu turno, após cerca de cinco meses e meio, dois homens gigantes me agarraram e me amarraram, e alguém em um jaleco de laboratório espetou uma agulha hipodérmica em mim.

Eu despertei do meu torpor de volta na sala, preso à cama, com a música soando e meu duplo parado atrás de mim, rindo. Ele mal parecia humano. Suas características estavam distorcidas. Seus olhos estavam fundos nas órbitas, parecendo os de um cadáver. Ele estava muito mais alto que eu, mas estava encurvado. Suas mãos estavam tortas e as unhas pareciam garras. Resumindo, ele estava assustador pra caralho. Eu tentei afastá-lo mentalmente, mas não conseguia me concentrar. Ele soltou uma risadinha torta e deu um tapinha na seringa no meu braço. Eu me debati o mais que pude, mas mal conseguia me mover com as amarras.

"Eles estão te enchendo com coisa boa, eu acho. Como está a mente? Muito confusa?" Ele se curvou, mais e mais perto enquanto falava. Eu gaguejei. Seu hálito cheirava a carne podre. Tentei manter o foco, mas não consegui expulsá-lo.

As semanas seguintes foram terríveis. Freqüentemente, alguém com jaleco de médico vinha e injetava alguma coisa em mim, ou me forçava a romar um comprimido. Eles me mantinham zonzo e confuso, e algumas vezes me faziam ter alucinações. Minha forma-pensamento ainda estava presente, constantemente zombando de mim. Ele interagia com meus delírios, ou talvez os causava. Eu alucinei que minha mãe estava lá, me dando uma bronca, e então ele cortou a garganta dela e seu sangue me banhou. Era tão real que eu podia sentir o gosto.

Os médicos nunca falaram comigo. Eu implorei várias vezes, gritei, lancei acusações, exigi respostas. Eles nunca falaram comigo. Eles devem ter falado com minha tulpa, meu monstro pessoal. Não estou certo. Eu estava tão dopado e confuso que poderia ser mais uma ilusão, mas eu me lembro deles falando com minha cópia. Eu me convenci de que ele era o real e eu era a forma-pensamento. Às vezes ele incentivava esse raciocínio, às vezes caçoava dele.

Outra coisa que eu rezei pra ser uma ilusão: ele podia me tocar. Mais do que isso, ele podia me machucar, ele me cutucava e me espetava se achasse que eu não estava prestando atenção nele. Uma vez ele agarrou meus testículos e os apertou até eu dizer que o amava. Em outra oportunidade ele cortou meu antebraço com uma de suas garras, eu ainda tenho a cicatriz – na maioria das vezes eu consigo me convencer de que fui eu mesmo que me feri e alucinei que ele foi o responsável. Na maioria das vezes.

Um dia, enquanto ele me contava uma história sobre como iria estripar todos que eu amava, começando com minha irmã, ele fez uma pausa. Um olhar rabugento cruzou sua face e ele tocou minha testa. Como minha mãe costumava fazer quando eu estava com febre. Ele ficou parado por um longo tempo, então sorriu. "Todos os pensamentos são criativos", ele me disse. Então saiu pela porta.

Três horas depois, me deram uma injeção e eu desmaiei. Acordei livre de amarras. Tremendo, andei até a porta e vi que estava destrancada. Eu saí pelo corredor vazio, e então corri. Eu tropecei mais de uma vez, mas cheguei até as escadas e depois alcancei o estacionamento atrás do prédio, ali eu tive um colapso, chorando como uma criança. Eu sabia que tinha que continuar, mas não fui capaz de fazê-lo.

Depois eu fui pra casa – não me lembro como. Eu tranquei a porta e empurrei um armário contra ela. Tomei um longo banho e dormi por um dia e meio. Ninguém apareceu pra mim durante a noite, nem no dia seguinte e nem no dia depois. Tinha acabado. Eu passei uma semana trancado naquele quarto, mas pareceu um século. Eu me afastei tanto da minha vida antes disso que ninguém percebeu que eu havia desaparecido.

A polícia não encontrou nada. O centro de pesquisa estava vazio quando o vasculharam. Os rastros de desintegraram. Os nomes que eu dei eram falsos. Até o dinheiro que recebi era aparentemente irrastreável.

Eu me recuperei tanto quanto pude. Eu não saio muito de casa e tenho ataques de pânico faço isso. Eu choro muito. Não durmo muito e meus pesadelos são terríveis. Está acabado, eu digo a mim mesmo. Eu sobrevivi. Eu uso a concentração que aqueles malditos me ensinaram pra me convencer. Funciona às vezes.

Porém, não hoje. Há três dias, recebi uma ligação da minha mãe. Houve uma tragédia. Minha irmã tinha sido a última vítima de uma série de ataques, dizia a polícia. O assassino estrangulava a vítima, depois a estripava.

O funeral foi nessa tarde. Foi tão amável quanto um funeral pode ser, eu suponho. Mas eu estava um pouco distraído. Tudo que eu podia ouvir era música, vindo de algum lugar distante. Discordante, inquietante, soando como ruído ao fundo, e gritos, e um modem discando. Eu ainda ouço. Um pouco mais alto agora.